Os picaretas milagreiros de Imbituva

 


 

Diz o ditado popular: “Todo dia sai na rua um otário e um esperto. Se eles se encontram, sai negócio”.

No caso desta história, baseada em fatos reais, os espertos criminosos foram à domicílio.

 

No reino das ervas milagrosas, das promessas divinas e a da burrice quase inocente, numa tarde qualquer de uma segunda-feira, uma pequena tragédia cômica se desenrolava numa pacata vila de Imbituva. Tudo começou quando um casal, de boa fé e ainda melhor ingenuidade, foi visitado por dois homens que se diziam comerciantes de plantas medicinais. “Ervas que curam tudo, da dor nas costas à dor na alma”, proclamavam com tanto fervor que quase fazia brotar uma plantação no próprio ar. O casal, ludibriado com as promessas absurdas e sem o bom senso que a idade supostamente traz, decidiu comprar o gato por lebre da enganação verde ao custo de R$ 260,00 reais.

 

Mas, como todo bom embuste precisa de uma segunda camada, os vendedores de milagres logo propuseram algo ainda mais inusitado: uma oração em troca de proteção celestial. Quem recusaria oração de indivíduos esquisitos que nunca viram na vida prometendo proteção espiritual a preço módico? Pois bem, duas orações depois, a conta veio com descontos de R$ 520 por R$ 440,00. O casal, por mais abobado que fosse, olhava desconfiado. Então, os picaretas milagreiros disseram: “Vocês não entendem”, advertiu um dos homens, com voz grave e olhos que imitavam trovões, “se não pagarem, cairão mortos antes do jantar.” O casal, que gostava mais de viver do que de questionar, pagou sem pestanejar.

 

Ah, mas o golpe não termina onde começa, e esses homens eram verdadeiros artistas do embuste, mestres na ciência da ludibriação. Com a confiança já firmada e o casal claramente intimidado, veio a proposta que faria qualquer cético gargalhar: a multiplicação do dinheiro. “Tragam todas as suas economias”, disseram, como profetas que clamam por oferendas. O casal, obediente como cordeiros rumo ao sacrifício, retirou R$ 1.800,00 de um esconderijo modesto e colocou o dinheiro sobre uma velha camiseta, conforme ordenado.

“Agora, fechem os olhos, cubram o dinheiro com uma xícara de água e só a retirem depois das dezoito horas. Não façam nada antes, nem tentem olhar por debaixo da camiseta, pois a bênção divina não tolera olhares curiosos.”

E assim foi feito. O casal, com a fé de quem acredita que coelhos podem sair de cartolas, isto é, que milagres realmente acontecem, obedeceu com devoção. Os homens, com a rapidez de ladrões treinados e a audácia de ilusionistas dos Paraguai, substituíram o dinheiro pela xícara vazia e sumiram na brisa, levando junto o cofre do casal em suas mãos pecadoras.

 

Horas depois, quando o sol ainda tentava iluminar a escuridão das cabeças crédulas, uma filha desavisada derrubou a xícara. Foi quando a revelação caiu junto: o dinheiro, que supostamente germinaria como trigo espiritual, havia desaparecido. Em seu lugar, restava apenas a marca de um golpe bem executado e o silêncio constrangedor de quem percebe tarde demais a sua tolice.

 

Negócio agora é chamar a Polícia”, disseram um ao outro, como se a justiça pudesse brotar tão facilmente quanto a fé que acabara de murchar, igualzinho a uma bola murcha.

Os policiais chegaram, ouviram a história com uma sobrancelha arqueada e olhos cansados de quem já viu outros vários milagres do gênero.

 

Um velho de barba branca e um homem alto, num carro preto. Nada além disso. Pareciam descrições de figuras saídas de um conto de terror barato. Buscas foram feitas, promessas de justiça foram dadas, mas, como sempre, a justiça andava mais lenta que os estelionatários.

 

Naquela noite, o casal sentou-se à mesa, olhando para a toalha simples que ainda parecia guardar os ecos do golpe. “Fomos burros”, disse a esposa, suspirando. O marido, com um olhar perdido, murmurou algo sobre aprendizados caros. E assim ficaram, contemplando o vazio, enquanto os picaretas milagreiros riam em algum canto escuro, contando o dinheiro roubado e planejando o próximo ato de sua comédia criminosa.  (FIM)





___E. E-Kan 

Autor, escritor, editor. 

 

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Esta breve história faz parte de uma série de outras histórias. "Contos Paranaenses", contadas a partir de fatos relatados por moradores das cidades e vilas. "Onde tiver um fato curioso, inusitado, lá estarei para ficcioná-lo e transformá-lo em uma história.", diz E. E-Kan.

E-mail para relatos: ekanxiiilc3@gmail.com

 

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