Abera e Ejous
Nos becos sombrios da cidade, sob a mais estranha e pura adrenalina, eles se encontravam em segredo. Ela, 45, casada, dois filhos, um marido bondoso, trabalhador mas insosso e sem libido, uma vida familiar, religiosa e social impecáveis, acima de qualquer suspeita. Ele, 41, casado, sem filhos, sem religião, com uma vida social discreta, uma mulher que parecia uma freira, mas frígida, e uma vida entediante no serviço público. Certo dia, eles se esbarraram num aplicativo de encontros, alcunhado por muitos de (UTI - Última Tentativa do Indivíduo). Com efeito, como convém a todos já experimentados da vida, que passaram e repassaram várias coisas, práticos, objetivos, sabendo muito bem o que querem, foram do "olá" ao "você gosta que lhe puxe o cabelo por trás?", intensa e rapidamente. Fogo puro desde o primeiro momento, como há tempos não sentiam. Entrosamento perfeito, como se já se conhecessem há muito tempo. Animadíssima pela postura ultrassecreta, pela boa aparência e o volumoso dote que ele apresentava, ela resolveu se encontrar e se entregar sem medo aos mais ousados e proibidos desejos. No quarto de motel, a mulher impoluta e imaculada diante da sociedade, da família e da igreja, sempre sorridente, tomava uma bela dose de vodca, se soltava e se transformava radicalmente, sem nenhuma crise de consciência. Cheia de energia e vontade, ela se dava com gosto ao amante voraz, com paixão desenfreada, pedindo que lhe possuísse com leveza, com jeito, devagar mas também com força e que lhe fizesse as coisas mais afrontosas à toda convenção social e a moral, rolando, girando, se esparramando, se deleitando na cama, na mesa, na parede, de pé, no chão, de lado, deitados, sobre o sofá, em todas as posições possíveis, beirando o Kama Sutra. Entre risos, gemidos, suor, beijos, abraços incandescentes e sussurros, eles chegavam juntos ao clímax, várias vezes e, assim, escreviam sua história clandestina. Se arriscavam, mas com muita cautela, sem deixar rastros. Desafiavam a ordem das coisas, roubavam momentos fugazes. Juntos, eles escapavam das amarras da vida cotidiana e exploravam o mais profundo êxtase proibido, sob uma única regra: "dentro das quatro paredes do quarto do motel, vale tudo e todos os desejos podem e devem ser externados, confessados e realizados. Sobretudo, o que acontece em Vegas, fica em Vegas". Naqueles breves instantes de prazer sem limites, sem cobranças, sem exigências, sem ninguém para impedi-los, certos e seguros como se tivessem cometido "o crime perfeito", tremendamente realizados e satisfeitos, maduros e visceralmente conscientes do que queriam, eles se salvavam de vidas vazias e do desespero diário de tentar criar "um novo sentido para continuar a Existir". Eles não precisavam de nada disso, apenas do prazer, cada vez maior, que um dava ao outro. O mundo era deles. Eles eram a liberdade.
Por: E. E-Kan
Escritos Insólitos - 14/06/2023, 21:30 - Brasil.
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