O Garoto Sozinho


            Era uma Segunda-feira como outra qualquer e na TV da Agência do Trabalhador, passavam notícias de mais uma guerra, desta vez na Ucrânia, em pleno Século XXI, logo depois de uma Pandemia que infectou mais de 505 milhões de pessoas em todo o mundo, matou 6,2 milhões e deixou milhões de sequelados, desempregados, falidos e desamparados. Seu Zé do Bar da Esquina, também achava que a tal Pandemia que deixou podres de ricos mais podres de ricos e os pobres do mundo mais fodidos, era mais uma crise fabricada, como são todas as crises. Afinal, você já viu algum rico, digo rico de verdade, de milionário a bilionário, em crise? Mas, essa é uma temática para outra hora...

E entre tantos absurdos da guerra absurda, era mostrado a fuga de mais de 2 milhões de pessoas da Ucrânia para Eslováquia, Polônia, Hungria e outros Países. E no meio de um mar de gente que escapava da covardia russa, estava um menino, Hassan, de apenas 11 anos de idade que fugiu da cidade de Zaporizhzhia, na Ucrânia. Na verdade, a sua mãe, Julia, o colocou num trem que o levou por 1.200 Km até  Bratislava, na Eslováquia onde chegou com apenas uma sacolinha, uma mochila e o número de telefone de parentes em mãos.

            Lá, já a salvo, Hassan foi recebido pelos parentes e até encontrou com o ministro daquele país que disse que iriam cuidar dele e de outras milhares de pessoas que fugiram da sanha assassina de Putin.

            Disse o ministro da Eslováquia que também uma ajuda estava sendo enviada para a mãe de Hassan e sua avó que ficaram na Ucrânia. Hassan conseguiu fugir da guerra covarde imposta por Putin, mas muitas outras crianças, idosos, mulheres, como sua mãe e avó e homens como seu pai, não tiveram a mesma 'sorte', se é que isso pode se chamar de sorte. 

Aos 40 anos de idade, na Agência do Trabalhador, enquanto esperava sua senha ser chamada, Thomaz olhava aquilo tudo comovido e ao mesmo tempo revoltado, enquanto, em sua mente, passavam-se lembranças da sua infância e do como também se sentira sozinho durante o trajeto dos anos intermináveis até a juventude, tal como Hassan em seus 1.200 km de solidão, revolta, medo e incerteza.

"Viemos ao mundo sozinhos e morreremos sozinhos", é o que muitos acreditam. O intervalo entre nascer e morrer, para alguns, especialmente, os que tiraram a grande sorte na loteria da vida nascendo em berço de ouro, quase tudo, na maior parte do tempo, é alegria e há mil motivos para comemorar.

               Para muitos outros, talvez a maioria da humanidade, esse intervalo será uma mistura entre ser e não ser, ter e não ter, os quais terão mil razões para sorrir e chorar, e para alguns, talvez milhares ou quiçá milhões, ou mesmo bilhões de pessoas, esse intervalo será como um karma ou um castigo, uma maldição, uma sacanagem do destino, e durante esse tempo, que poderá ser breve ou interminável, os que assim nasceram, terão muitos motivos mais para chorar do que sorrir, mais motivos para morrer do que para viver e, no entanto, seguem vivendo, a maioria como mortos em vida, infelizmente, mantendo ainda uma fagulha de uma falsa esperança.

            Os otimistas, defensores do 'deixa disso' da vida, dirão que tal intervalo entre nascer e morrer é 'uma oportunidade' para 'viver intensamente' e fazer uma infinidade de 'coisas boas', que sempre há escolhas, que tudo vai ficar bem no final. Os pessimistas dirão que não há muitas escolhas, que tudo é tragédia, desgraça, tristeza e que tudo vai acabar pior do que começou.

            Por outro lado, os realistas, independente de sua condição neste mundo, sabendo que a vida, que é luz, sempre está cercada de escuridão, sabendo que o mal sempre está nos espreitando por toda a parte, apenas viverão e farão o trajeto, com medo, sem medo e pouco se lixando para tudo. Seguros em suas mentes e corações, os realistas passarão por esse intervalo sem esperar nada desse mundo, nem do outro, nem das pessoas. Ao contrário dos pessimistas e dos otimistas, os realistas apenas viverão a vida como ela é, um dia de cada vez, uma história de cada vez, entre um extremo e outro, mas à mil, não como se não houvesse amanhã mas por terem uma estranha certeza de que pode ser para sempre, cientes do tamanho da ilusão que isso possa ser.

            Contudo, quanto aqueles que anseiam por encontrar ou reencontrar a alma de sua alma, o espírito do seu espírito, o coração do seu coração, o teu eu, independente das condições em que vivem nesse mundo, independente das tragédias e comédias, nada, nem mesmo a destruição da Terra ou da humanidade, se compararão à eterna e desoladora solidão que sentem em vida.

            Estes solitários eternos, viverão como os realistas, intensamente, mas jamais estarão em paz e jamais descansarão em paz enquanto sentirem tal solidão desoladora, enquanto não se completarem diante do Cosmos.

            Quanto a Hassan, apesar da brutal tragédia de sua vida atingida por uma guerra covarde, pelo menos encontrou alguém que o ame de verdade do outro lado da fronteira e se encontrou consigo mesmo. Irá se perder Hassan algum dia? Certamente, porque todos se perdem um dia e se reencontram outra vez. É o curso da vida, se perder e se achar. E quanto a nós, que já nos perdemos e nos reencontramos por mais de mil vidas humanas? O que será? O que virá depois?

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E. E-Kan


- Blog Realismologia

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